O que é Esttrada? Uma plataforma sobre tradução (um laboratório, um grupo de pesquisa) e um grupo informal de debate sobre projetos e visões (sempre ligados à tradução), pois normalmente os pesquisadores debatem em encontros, mas não têm o hábito de debater em grupos menores. Outra finalidade é debater de forma mais autêntica, naturalmente presencial, mas também por meio de videoconferências e sem maiores formalidades.

1. O grupo de colaboradores e pesquisadores do Esttrada nasce em 2013 a partir de uma situação de insatisfação na universidade. As causas? Uma constatação de que o ensino é repetitivo, um “engessamento” dos currículos, uma prática de aula em que a função do docente é confundida com a mera ilustrações do conteúdo (de livros, apostilas, ensaios), no lugar de uma leitura livre e aberta, que suscite a discussão e  que tenda a favorecer a originalidade;repetição do que foi dito ou escrito (pelos próprios mestres, pelos livros canônicos), no lugar de suscitar criatividade e mobilidade, de passar as próprias dificuldades na aprendizagem, às experiências autênticas do pesquisador. O que é preciso é uma aula que represente a transmissão de uma experiência, uma experiência autêntica... Ao mesmo tempo, a necessidade de abrir o caminho, por meio de uma reflexão e de uma intervenção, para um debate sobre o tema da tradução. Tradução e teoria da tradução ou poética da tradução.

2. A tradução é produto do contato entre culturas. A ideia de contato (levados pela etimologia) parte do tato: objetos ou pessoas (ou culturas) que se tocam, que entram em comunicação. O contato inclui uma certa dose de familiaridade, proximidade, vizinhança, civilidade, urbanidade, comunicação, diálogo... (dicionário on-line de português. e dicionário informal). Ao mesmo tempo,  há um embate entre o novo e o velho, entre a tradição e interpretação nova e criativa. Precisa articular o conceito de antropofagia como incorporação e superação. A tradução precisa construir um novo texto, de certa forma desconstruindo o original. Haroldo de Campos, em Transcriação, p. 167 cita o “elemento destrutivo na crítica” de Walter Benjamin e uma sua frase: “a destruição da forma é a tarefa [...] da instância objetiva, na arte, da crítica”

3. Haroldo de Campos defende que crítica e tradução devem estar juntos. Trata-se da base de uma nova formulação. Devemos repensar ao tema da “língua pura” e o conceito de origem. Ambos são certamente herança da tradição cabalística: uma tradição pouco conhecida e paradoxalmente influenciada pelo platonismo (por defender conceitos absolutos: língua pura, original/ origem). A cabala tematiza e defende a interpretação infinita e a atenção à materialidade do texto. O que a cabala defende essencialmente é um caráter mágico das letras do alfabeto, junto com os números, que é um aspecto que nos interessa.

4. É necessário desenvolver uma nova teoria sobre a linguagem, assim como teoriza Meschonnic. “Uma ética da tradução implica, sobretudo, uma ética da linguagem. E uma ética da linguagem implica uma teoria da linguagem como um todo, uma teoria crítica”. Mas falar de teoria da linguagem significa – hoje e para nós - falar de uma teoria sobre a língua escrita alfabética.

5. A tradução tem um poder realmente explosivo: pois ela mobiliza o "outro" que está entre nós ou em nós... Podemos pensar o outro como uma metáfora, da relação entre texto e seu leitor. O outro poder ser também das Unheimliche, de que fala Freud.. Esse algo que é inicialmente familiar e se torna sinistro, perturbante. Por outro lado, podemos dizer que os indígenas do Brasil são o outro,: eles falam de forma diferente, dão ênfases diferentes, sua mímica é diferente, seu timbre, sua gesticulação (ou falta dela) é diferente.

6. A questão indígena é arte da revirada de uma questão intercultural: são os povos indígenas que podem inspirar ao mundo ocidental elementos diferentes de uma "filosofia" da relação com a natureza,pois visivelmente a tradição ocidental está numa fase violenta e problemática de seu desenvolvimento: ver os nativos, portanto, não como alvos de uma ação de salvação, mas, ao contrário, como protagonistas de uma transformação. O Brasil possui, além do português, mais de 150 idiomas, que não são considerados, computados, incluídos – na maioria das vezes - nos debate sobre línguas e culturas. Precisa incluir também as línguas dos imigrantes e prófugos (espanhol, alemão e italiano e outros idiomas).

7. Em princípio, há uma questão metodológica a ser debatida: entre a vocação ao diálogo e um conflito na pesquisa, nos relacionamentos, pois a hermenêutica prefere o conflito: um distanciamento irônico ou a contraposição radical, podem dar mais resultados na pesquisa do que a conciliação...A ironia remete a uma forma de desconstruir a obra (ou o texto) à ironia romântica “a ironia representa aclara consciência da agilidade eterna, do caos infinitamente denso” (Friedrich Schlegel). O conflito, na interpretação, é sinônimo de oposição de interesses, sentimentos,idéias. Luta, disputa, desentendimento, briga, confusão.

Vale como inspiração algo que Mallarmé escreveu em sua crise do verso:

“A literatura aqui sofre uma extraordinária crise, fundamental... Digo: uma flor! e, fora do esquecimento em que minha voz relega nenhum contorno, como qualquer coisa que não os sabidos cálices, musicalmente se eleva, idéia mesma e suave, a ausente de todos os buquês”.

É mais produtivo ver que entre culturas há um conflito, mas também existe conflito entre escrita e oralidade e entre diferentes tradições culturais, entre interpretações. Uma tradução – assim como uma interpretação – levanta uma nuvem de discussões, críticas, afirmações.Benjamin utiliza, em suas“teses sobre o conceito de história”, a imagem da catástrofe (que toma emprestadada tradição cabalista), cuja imagem é a quebra dos vasos: "A catástrofe é o progresso, o progresso é a catástrofe. A catástrofe é o contínuo da história". Trata-se de uma imagem apocalíptica, pois ela é pressuposto da redenção. Gerschom Scholem, liga o messianismo à anarquia, fala de um apocalipse secularizado e da teoria da catástrofe para se referir à presença de elementos judaicos em nossa tradição, pois o messianismo nasce de uma visão histórica, de experiências e embates históricos, opondo-se por vezes à própria tradição e às fontes bíblicas.

Base dessas considerações, um problema ainda aberto: o que é linguagem para a literatura, crítica literária e teoria da tradução? Precisamos pensar num conceito de linguagem que nos lê, que nos interpreta, que vive independentemente. Os grandes modelos da linguagem alfabética de nossa tradição podem ser base dessa reflexão; Sua comparação com outros modelos: linguagem oral e outras formas de escrita irão permitir definir melhor nosso objeto de estudo. Pois as narrativas que formam nosso imaginário (as que vêm da tradição clássica e as da tradição judaico-cristã) influenciam de forma contraditória e, mesmo assim, determinante nosso conceito de linguagem.

Tradução é uma forma essencial ou melhor existencial da Literatura, conforme vários autores afirmaram, de Haroldo de Campos a Meschonnic, remontando a Benjamin. Pois a literatura existe somente numa relação: relação entre leitor e texto e, sobretudo, entre interpretação e texto. Como uma partitura, ela precisa de um executor, que é o intérprete, que escuta as nuances do texto, seu caráter musical, seu ritmo, seu timbre, seu conjunto (e o referente é talvez um dos últimos elementos para sua compreensão). Uma partitura não soa sozinha, não emite seus próprios sons: é o executor que a leem, identificam as notas, os sinais e a levam a viver. Esse exemplo remete naturalmente a hipótese da obra aberta (Umberto Eco,Haroldo de Campos). Há um forte vínculo entre a tradição literária e musical: rememoração, releitura, nostalgia e poder da música e da leitura possuem um vínculo reafirmado no século XVI pela primeira ópera: Orfeu e Eurídice de Claudio Monteverdi.O leitor não é somente colaborador da obra, mas ele é sujeito indispensável para identificar no texto os elementos para sua abertura e fragmentação completa, de forma a afastar uma interpretação tradicional e canônica que cada texto traz junto. A tradução torna-se uma forma necessária de leitura de um texto, como qualquer outra leitura e interpretação, e parte da análise de um código diferente: uma língua estrangeira, que forma seu caráter outro) e lida com um conjunto de elementos particulares: desde o mito da relação entre língua e literatura ao mito e as narrativas entre língua e sua tradição, ou o mito da origem da própria língua.

O anjo da história, de Benjamin, que anda contra a corrente e que aponta para um misticismo novo e imponente na tradição ocidental, é modelo e emblema dessa visão sobre a tradução. O anão corcundinha(das teses) éo legítimo representante dessa mistura. Assim esse o anjo da história pode ser erguido a representante do modo de pensar: em a relação entre culturas. (A.L.)

O ESTTRADA (Grupo de Estudos de Tradução e Adaptação) nasceu em 2013, mas registrou-se como grupo de pesquisa na Universidade Federal do Rio de Janeiro e no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2014. O objetivo do grupo é criar um espaço de reflexão sobre as questões relativas à Tradução e à Adaptação. Esse espaço se vincula à Faculdade de Letras da UFRJ, mas é aberto ao diálogo com outras instituições e pesquisadores independentes. O impulso inicial para a formação do grupo foi a percepção de que, embora a UFRJ não forme graduados em Tradução, o estudo e a prática desta matéria, como não poderia ser diferente, permeava a produção intelectual de diversos pesquisadores da UFRJ. O ESTTRADA, por tanto, aparece coloca-se como ponto de encontro dessas pessoas.

O grupo tem como líder o prof. Dr. Andrea Lombardi e como vice-líder o Dr. Vitor Alevato do Amaral.

Endereço

Faculdade de Letras da UFRJ Av. Horácio de Macedo, 2151 Cidade Universitária - CEP 21941-917 Rio de Janeiro - RJ